quinta-feira, 19 de maio de 2011

Opróbrio



Conto por Alexandre Piccolo
29 de junho de 2004

Depois do almoço a três, o pai sai da mesa direto para a cadeira de balanço, com o palito ainda entre os dentes. A mãe foi à cozinha e a filha, ao quarto. Silêncio na casa. Logo volta a menina perguntando:

_ Pai, o que é opróbrio?

O pai, quase adormecido, fingia o sono. Silêncio.

_ Pai, pai, o que é opróbrio?

Ainda o disfarçado silêncio.

_ Pai, ô pai! Paiê… quê que é opróbrio?

A mãe volta à copa, para terminar de retirar a mesa:

_ Ô João, olh’a menina falando com você e você dormindo. Num dorme agora não, faz mal, o doutor avisou…

_ Pai, o que é opróbrio?

Como o sono falso ainda reinava, a mãe pontuou:

_ Num é opróbrio, é opróbio. E seu pai não sabe, minha filha, por isso é que tá quieto assim…

O pai não teve como fugir:

_ Que não sei o que, Maricota?! Onde já se viu falar isso?

_ Pai, o que é opróbio?

O pai fitava de cara feia a mãe que continuava:

_ Não sabe mesmo não, se soubesse já tinha respondido.

_ Eu não escutei, tava dormindo.

_ Pois então diga, já que acordou agora.

_ Não digo porque ela precisa aprender a pesquisar, aprender a procurar as palavras…

_ Viu minha filha, seu pai não sabe.

_ Pai, o que é opóbrio?

Com a cara feia, os resmungos:

_ Que não sei o quê, Maricota?! Quer parar de dizer bobagem!

_ Não sabe não, João, admite. Não sabe, não sabe, e pronto. Não é defeito não saber, sabia?

_ Lá vem você com essa, de novo. Eu zelando pela educação da nossa filha e você dizendo que eu não sei. Sei sim, não digo é pro bem dela, que tem que saber se virar.

_ Não inventa, João. Você não sabe o que é opróbio e pronto. Se soubesse dizia agorinha…

_ Agora é que não digo mesmo. Ela tem que saber pesquisar, viu?! Se não fica tonta, avoada. A gente que é pai tem que ensinar a pescar, viu?! Não é dar o peixe e pronto. A gente cria os filhos é pra vida, Maricota…

_ Não enrola, João. Você não sabe e pronto. É igual a vez passada que você não sabia o que era pernóstico e ficou enrolando, enrolando… até ir no dicionário procurar.

_ Que absurdo! Dizer que eu não sabia, onde já se viu?! Eu respondi sim, e sem titubear!

_ É, depois que correu pro dicionário quando ninguém olhava…

_ Que calúnia! Eu, cuidando da boa educação da nossa filha, e você me acusando… isso é um absurdo!

_ Também, só conhece essa expressão: “que calúnia”, “isso é um absurdo”. Mas responder o que a menina quer saber, nada…

_ Pai, o que é opróbrio?

_ Agora qu’eu não respondo mesmo, Sofia. Sua mãe fica m’enfezando e eu querendo zelar pelo seu saber, pela sua educação… onde já se viu isso?! Assim ninguém aguenta. Vou é para cama descansar…

Levantou da cadeira, saiu esbaforido para o quarto, a passos pesados, e bateu com força a porta. Ali tinha o calmante de que precisava: o chá de camomila e o dicionário.

Saiu dez minutos depois, com um disfarçado ar calmo na testa franzida. Sentou impaciente na cadeira, quis balançar a cabeça pra frente e pra trás, olhando a menina descontraída ver tv deitada no sofá. Ela o fitou mais uma vez:

_ Pai, o que é opróbio?

_ Não é opóbrio nem opróbio, é opróbrio. Opróbrio é vergonha, vexame, é uma desonra pública - pronunciou de boca cheia.

Um “ahhh” aliviado saiu lá da cozinha. Aí bravo, arrematou:

_ É um opróbrio isso que sua mãe quer fazer comigo, minha filha. Isso sim é um opróbrio!

Nenhum comentário:

Postar um comentário